Minha rua é encantadora, sem saída, perto de uma pedreira
cheia de mata, zona de proteção ambiental. É bonita, calma, pode-se dormir com
o som de grilos e acordar com o som de passarinhos.
Se perco o sono, ou acordo de madrugada, ouço cantos de
pássaros que não conheço, mas que minha mãe, quando viva, identificava (É o “Godofredo”,
é o “Peixe frito”). Minha irmã fica intrigada com o canto de outro pássaro, que
ela chama de “Vem despachar, vem despachar” (ela era serventuária da justiça).
Às quatro horas da manhã, um galo teimoso começa a cantar, e
ele canta, canta. Começa às quatro horas da manhã e daí vai, pontualmente, de
hora em hora, cantando até seis horas da manhã.
À noite fechamos a porta da varanda e as janelas para barrar
um visitante noturno, o morcego das frutas, hóspede habitual dos distraídos.
Cochilou, olha ele aí, batendo asas (juro que eu pensei que eles só planassem).
Mas mesmo fechando as janelas, já o vi passar, à noite, pela sala, sumindo, misteriosamente,
não sei por onde. Não adianta procura-lo, ele se esfumaça. Gosta de dar voos rasantes
no play, à noite.
De vez em quando encontro penas de passarinho no meu quarto. Procuro o bichinho e não encontro.
Minha vizinha relatou a visita de um inseto gigante.
Esqueci-me o nome que ela deu, mas ela o conhece, do Espírito Santo, em tamanho
bem menor. Esse ainda não deu as caras aqui em casa. Mas um dia, vindas da
mata, duas baratas voadoras bateram contra o vidro. Confesso que fiquei em
choque durante alguns segundos. E olha que não sou histérica com barata.
Um dia cheguei à varanda e vi, pousado na janela do meu
quarto, um gavião peregrino. Ficou calmamente me olhando alguns minutos e
voou. Voltou ainda alguns anos até que sumiu. Este ano apareceu uma espécie de
águia, ou gavião, de cabeça vermelha. Chegou às sete horas da noite e ficou
algum tempo pousado na janela do quarto andar, depois voou para a mata. Dizem
os vizinhos que tem um gavião que come os passarinhos presos em gaiola. Ele
puxa as cabecinhas pela grade.
Um dia, eu estava na varanda, lendo e ouvi um barulho, igual
a briga de gatos. Passou alguma coisa voando em direção ao prédio em frente. Acompanhei
o voo e vi que os vizinhos do prédio em frente correram para ver o que estava
acontecendo. O barulho era realmente surreal. Formulei uma hipótese de que um
gavião tivesse levado um filhote de gato nas patas. Como era de noite, me
disseram que o gavião caça de dia e os gatos à noite estão alertas. Um vizinho pesquisou
e disse que um pássaro que se chama “Alma de gato”, faz barulhos de felino.
Falta descobrir se tem hábitos noturnos.
Tem um casal de gaviões que pousa numa árvore na pedreira e
emite um guincho antes de atacar. Uma vez presenciei um drama da natureza, o
gavião tinha capturado uma maritaca e o bando delas se uniu para dar uma coça na
ave de rapina. Ela soltou a maritaca.
Dentro de casa o mistério continua. De manhã cedo, ao fazer
café, despejo água quente na pia, para desinfetar. Ele começa logo depois a
engolir alto, deglute assim: glub, glub, glub, silêncio, glub, glub, glub. E
fica algum tempo, engolindo não sei o que. Parece viva.
Abro a porta da geladeira e quando fecho ela canta, igual a sons
internos de navio cruzeiro, para dar aviso a passageiros. Ta ran, tá ran,
ta-ran, ta-ran. Agora eu canto junto. Desisti de entender.
O filtro de água suspira, ah, como ele suspira!. Fundo. Respira
pelo nariz, alto. Nem ligo, ele é exibido, pego a água e ignoro.
Na área de serviço, coloco roupa na máquina. Vai tudo bem
até que chega ao momento da centrifugação. A máquina, de repente, dá um guincho
horrível, risca o chão, desloca-se violentamente e começa a rebolar
furiosamente. Tenho uma amiga vizinha que tem problema igual e disse que
arrumou um cabresto para amarrar a dela, que andava até a porta do quarto de
empregada. Achei uma boa ideia, colocar uma coleira na máquina de lavar. Vou
procurar.
No banheiro social é que se encontra o objeto mais
escandaloso do apartamento. É a descarga do sanitário. No começo não notamos
nada, apertamos o botão da descarga e tudo bem. Mas de repetente começa um
barulho assustador, que vai crescendo e se mantem alto. Os desavisados abrem a
porta e saem perguntando: “o que foi isso, o que foi isso?”. De madrugada, nem
pensar em dar descarga, só de dia. Os vizinhos iriam fazer um BO.
No meu quarto, a impressora se recusa a dormir. Posso
apertar o botão muito tempo, ela não apaga. Quando quero que apague realmente,
desligo da tomada e coloco em hibernação. Quando ligo, ela fica lá, de olho
aberto.
No quarto da minha irmã, o ar condicionado cheira a mel. Não
encontramos colmeia, só sentimos o cheiro gostoso do mel e vemos abelhinhas
voando.
Quando fiz obras em casa, descobri que minhas paredes eram
todas tortas. A arquiteta disse que era normal, todas as paredes são tortas.
Pode isso? Agora estão certinhas. Como pude conviver tanto tempo com esse prumo
fora do lugar? E olha que eu não tenho TOC. Às vezes é melhor não saber das
coisas.
Mas tem mistérios bonitinhos. Pela varanda, todos os dias,
de manhã, entra um arco íris e colore minha poltrona. Fica lá um pouquinho e
some, tão misteriosamente quanto chegou. Ainda não achei as pontas dele, por
isso não encontrei o pote de ouro e, como ele entra baixo, não passei embaixo
dele, continuo mulher.
Tem um casal de passarinhos querendo fazer ninho onde não
devem, no vaso de plantas da sala. Fiz um ninho para eles, no local adequado,
nem deram bola. Outro casal de passarinhos coloca ovos dentro do armário que
esconde o Split, na varanda. Não podia ser local mais inapropriado, quando
ligamos o ar condicionado esquenta muito. Mas o pior é que os aladinhos entram no
armário e não sabem sair, temos que abrir a porta e caçar passarinho. Eles vão
embora e os ovinhos ficam ali, azuizinhos, abandonados. Mas no ninho bonitinho,
ninguém vai.
Desisti de alimentar os beija-flores com água com açúcar. Descobri
que não são tão pacíficos assim. O beija flor tesoura bate feio nas
cangacirras. Elas, por sua vez, também não são pacíficas, brigam entre si, de
garrinha no peito. Minha varanda virou um campo de batalhas, passarinhos
feridos entrando na sala. E de noite vinha o morcego beber a água que
esquecíamos de tirar. Minha irmã acha que a culpa dessa guerra é toda do açúcar,
aliás para ela, desde que leu o "Sugar blues", tudo é culpa do açúcar. Tentamos
substituir o “veneninho branco” por açúcar cristal e por mel. Não adiantou nada
e ainda ficou muito caro. Chega, desisti, não tem mais bebedouro, vão catar
néctar nas flores na mata e gastar esse monte de energia por lá.
Para fechar a lista de mistérios, há mais de duas décadas, minha
mãe me acordou de madrugada para ver uma luz estranha. Era época de Copa do
Mundo e faziam projeções no Pão de Açúcar com a palavra “Gol”. A luz que vimos ficou
parada no ar, acima dessa projeção, muito tempo. Era grande e tinha muitas
cores que pareciam girar. De repente, piscou e deslocou-se rápido, sumiu. Uma
amiga, vizinha da Gago Coutinho, me disse, no dia seguinte, que tinha visto uma
luz em cima do meu prédio. Somente nós três vimos e minha mãe faleceu em 1982.
Honestamente, ainda não sei o que era aquilo.