quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Cheia de Assunto - Por Guilma Vidal Viruez


O Troféu JACA e A Milésima segunda história de Sherazade.
Nosso colega de trabalho podia até ser um pouco chato durante a semana, mas na segunda-feira vinha cheio de histórias interessantes. Um dia chegou contando que no sábado, indo de carona para o sítio de um amigo, passaram perto de uma jaqueira e de repente, pimba, cai uma jaca bem na cabeça do motorista, que desmaiou. Ele, desesperado, tomou a direção e evitou um acidente.
Foi uma gozação só, e ele afirmando: “É verdade, é verdade”. O mais gozador de todos, na mesma hora, resolveu instituiu uma Junta Apuradora de Casos Assombrosos (JACA) e decretou que essa Junta ira premiar a melhor história com o Troféu JACA (uma jaca feita em papel laminado.). O colega da história da jaca, claro, seria hors concours, pelo conjunto da obra.
O segundo ganhador do Troféu JACA fez jus ao prêmio pela seguinte história: estava assistindo o jogo e resolveu cozinhar feijão na panela de pressão. Deixou a panela no fogo e lá pelas tantas, escutou barulho de pancadas na cozinha. Correu para acudir e viu a panela batendo na parede, ricocheteando e batendo na outra parede. Desesperado, sem saber o que fazer, foi para o quarto, buscou o revolver e deu um tiro na panela. Conseguiu derrubá-la e a única vítima foi a cozinha, que ficou com feijão até o teto. Foi aplaudido.
O terceiro troféu deu empate. Duas colegas, com duas histórias incríveis.
A primeira detesta receber papel de propaganda na rua. Vinha apressada, de cabeça baixa e alguém estendeu, à sua frene, a mão com um papel. Sem hesitar, ela capturo-o e rasgou na hora, continuando apressada. Ouviu um grito: “maluca, rasgou meu cheque”. Olhando para trás viu dois homens disparando em sua direção, xingando. Teve que correr muito e se esconder. Chegou assustada. Já a segunda colega contou que antes de chegar em casa passou por uma sapataria e comprou uma sandália rasteira, linda e logo depois foi ao açougue e comprou um quilo de carne. Chegando em casa, guardou os dois pacotes e esqueceu. Alguns dias mais tarde sua empregada a chamou, do quarto: “Dona Fulana, tem um bicho morto na sua sapateira”. Ela olhou, pensativa e concluiu: “Ah, já sei onde coloquei minha sandália nova”.
Eu estava me divertindo muito com esse concurso, até que um dia ganhei, sem merecer, o Troféu JACA. Minha história, do peixe que sobe em árvore, era verídica. Fiquei indignada, não estava certo. Não adiantou eu me comparar a Sherazade, no conto " “A milésima segunda história de Sherazade", de Edgard Allan Poe.
Aconselho vivamente a leitura do mesmo, mas só para terminar meu texto, faço um breve resumo baixo.
Sherazade , a bela filha do vizir, ofereceu-se voluntariamente para casar com o Califa, sabendo que ele estrangulava as mulheres, após a noite de núpcias. A moça desejava acabar com aquele feminicídio e confiava em uma estratégia, a de seduzir o marido com histórias que se prolongavam infinitamente. E assim conseguiu passar mil e uma noites viva somente contando histórias. Na milésima segunda noite o sultão, finalmente, comunicou a Sherazade que confiava nela e ia poupar sua vida, afinal ela só lhe havia contato histórias verdadeiras. Então ela decidiu, nessa noite, contar o restante das aventuras de Sinbad, somente com fatos verídicos, esquecendo as fantasias. E aí narrou uma história que falava da viagem do marujo a uma terra com muitas excentricidades, entre elas:


  1. Um lugar em que, em determinada posição, percebia-se que a terra não era plana e sim redonda, como uma romã (e efetivamente é)
  2. Uma grande ilha no meio do oceano construída por uma colônia de pequenos animais (Corais)
  3. Florestas de pedra, impossíveis de serem cortadas pelo mais afiado machado (Florestas petrificadas do Texas, Rio Pasigno e Chienne river).
  4. Caverna que no interior continha palácios maiores que os de Damasco e Bagdá, repleto de gemas, como diamantes, maiores que um homem, com um rio negro como ébano e peixes sem olhos (As Cavernas Mammoth, no Kentucky.)
  5. Montanha de onde jorravam torrentes de metal derretido, escorrendo por muitas milhas e de cujo topo eram lançadas tantas cinzas que o sol era bloqueado e ficava tudo escuro como meia noite (Islandia, durante a erupção do Hecla, em 1766 e erupção do Vesúvio)
  6. Lago que continham, há mais de cem pés abaixo da superfície, uma floresta inteira, com árvores altas e saudáveis (Em 1790, em Caracas, durante um terremoto, uma porção do solo de granito afundou . Era parte da floresta de Aripao e as árvores permaneceram verdes por vários meses).
  7. Clima onde a atmosfera era tão densa que sustentava no ar ferro como se fosse pluma (experimento científico).
  8. Rio longo e profundo, águas transparente como âmbar, com margens sempre floridas e jardim perpétuo, perfumado, conhecido como Reino do Horror, entrar nele representava morte inevitável (Região da Nigéria).
  9. Miríades de animais monstruosos, com chifres nos ombros, que cavavam cavernas no solo, tapando-as com grandes rochas. Seus inimigos escorregavam nas pedras e eram sugados para a caverna, sendo suas carcaças arremessadas a uma imensa distancia (as formigas Mirmilon).
  10. Vegetais e plantas que nasciam no ar, em outros vegetais, em animais, que brotavam do fogo, que moviam-se de uma lado para outro, flores que escravizavam outras criaturas e as confinavam em prisões solitárias (A Epidendron, Flos Aeris, da família das Orquídeas, parasitas, como a Rafflesia Arnaldii; A planta Epizoae, que cresce em animais vivos; espécie de fungo que cresce em minas e cavernas e emite uma intensa fosforescência;
  11. Reino no qual abelhas e pássaros dão aulas de Matemática e Geometria aos mais sábios do império, resolvendo problemas dificílimos (Observação do mundo dos insetos e sua relação com a Ciência).
  12. Revoada de pássaros tão larga e comprida que levava quatro horas para passar (Pombos, passando do Canadá para os Estados Unidos).
  13. Ave maior que a maior das cúpulas do palácio, não tinha cabeça visível, parecia formado inteiramente por um ventre de prodigiosa grossura e redondez, constituído por uma substância muito suave, lisa, brilhante, de franjas coloridas. O monstro levava em suas garras uma casa cujo teto tinha sido arrancado e em cujo interior eram vistos vários seres humanos que pareciam apavorados (Montanha russa?)
  14. Um continente imenso, extenso e sólido, suportado inteiramente no dorso de uma vaca da cor azul céu, com 400 chifres (nessa o Califa acreditou, tinha lido em um livro, ninguém me disse o que era)
  15. Mágicos que vivem com vermes no cérebro (O Entozoa, ou verme intestinal, observado nos músculos e cérebros do homem)
  16. Cavalo gigantesco cujos ossos são de ferro e cujo sangue era de água fervente. No lugar de chifres, tinha pedras negras para seu alimento habitual, e apesar dessa dieta pesada, era tão forte que arrastava coisas mais pesadas que os maiores templos da cidade, em velocidade maior que o voo de muitas aves (Trem movido a cavalo vapor).
  17. Uma galinha sem penas, maior que um camelo, em vez de carne e ossos era de ferro e ladrilhos, seu sangue era de água fervendo, só comia madeira e pedras negras. Produzia uma centenas de frangos em um só dia, depois de nascidos se instalavam durante várias semanas no seu estômago. (Segundo informações seria o Eccalobeion, não sei o que é).
  18. Sábios que construíram: homem de bronze, madeira e couro, com tanta inteligência que venceria em xadrez toda a humanidade, com exceção do califa Harum Al Raschid. Outra criatura foi construída com materiais parecidos e com poderes de raciocínio tão grande, que em segundos efetuava cálculos que teriam requerido o trabalho de cinquenta mil homens durante um ano. E um terceiro construído era uma criatura muito forte, nem homem nem animal, mas que tinha cérebro de chumbo misturado com uma substância negra e dedos que atuavam com tanta velocidade e destreza que fora capaz de escrever 20.000 cópias do Alcorão em uma hora, com tal precisão que nenhum erro fora encontrado em sequer um exemplar e todos eram perfeitamente iguais. Esta criatura tinha uma força prodigiosa, a tal ponto que criava e destruía de um sopro os impérios mais poderosos, mas suas habilidades se aplicavam tanto ao bem quanto ao mal. (A automação de Maelzel, Jogo de xadrez, Máquina de calcular de Babbage).
  19. Sábio em cujas veias corria o sangue da salamandra, fumava em forno ardente, enquanto sua comida se cozinhava no solo. Outro convertia metais comuns em ouro. Outro percebia as coisas com tanta rapidez de contava os movimentos de um corpo elásticos enquanto este se movia para frente e para traz na velocidade de novecentas milhões de vezes por segundo (Chabert; O Electrotipo Wollaston feito de platina, pode ser visto somente com o uso de microscópio. Newton demonstrou que a retina, sob a influência dos raios violeta do espectro, vibram 900 milhões de vezes por segundo)
  20. Sábio que, ajudado por um fluido invisível, podia fazer com que os cadáveres movimentassem os braços e se movimentassem. Outro cultivou a tal ponto sua voz que podia ser ouvido de um extremo a outro do mundo. Outro tinha um braço tão grande que podia estar sentado em Damasco e escrever uma carta em Bagdá. Outro tinha tal domínio sobre o relâmpado que o fazia descer e brincar com ele. Outro pegou dois sons muito fortes e os transformou em silêncio. Outro criou uma escuridão profunda com duas luzes brilhantes (Pilha Voltaica; O aparelho de impressão telegráfico elétrico; Experiências em Filosofia Natural; Experiências com metais; O daguerreótipo).
  21. Outro sábio fabricou ferro em um forno ardente. Outro fez o sol pintar seu retrato. Outro pegou o sol, junto com a lua e os planetas, pesou-os, examinou sua profundidade e descobriu a substância de que são compostos. Nessa ação todos, inclusive crianças e gatos têm capacidades nigromantes e podem ver facilmente objetos que não existem ou que deixaram de existir há 20 milhões de anos (Siderurgia; Fotografia sem lentes; Arqueologia).
  22. As mulheres dos magos, embora refinadas e perfeitas, acreditavam serem imperfeitas e que precisam ter protuberâncias nos ombros e usam almofadas para aumentar essas partes do corpo, de modo que não se distinguiam as mulheres dos dromedários. (Modismo, Moda)
Nesse momento o Califa, que não parara de resmungar durante todo o relato, perdeu a paciência e ordenou a Sherazade que se calasse. Ela não havia dito senão mentiras. E mandou que a estrangulassem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário